dimanche 9 mai 2021

Prisão Preventiva

Aqui, no meu quarto tão meu,

Os meus gestos rotineiros são saúde,

Os meus ruídos, ontem inaudíveis, são valsas,

os meus livros são flores, são amigos, são diálogos.

Lá fora, o vazio abafa este meu viver!

No silêncio do meu quarto tão meu

As paredes encolhem-se de dor,

As paredes são solidárias no amor

Não me baleiam com notícias deprimentes

Contam-me histórias, fábulas de La Fontaine

Cantam-me hinos de alegria

E baladas de encantar.

Olho o teto branco,

Hoje é o meu céu,

No meio das nuvens brancas 

Mora o sol

Em forma de bolinhas de cristal

A que eu chmava de candeeiro.

À minha volta, um jardim florido

Tão lindo como um quadro de Monet

Alguns rostos a quem vou acenando,

Outrora respondiam e aconselhavam,

Hoje escutam inertes no seu lugar

Demorei o meu olhar na porta que não posso abrir

Espreito pelo buraco que serve de chave

E descubro  que a minha liberdade

Mora ali ao meu lado

No meu quarto, tão meu!


Naria Radatos

in Quarentena

 


Alvorada da vida

O dia nasceu!

A natureza despiu o seu manto transparente

Tecido pelo orvalho que a aurora lhe ofereceu.

O rei sol espreitou, feliz e bondoso,

Não se fez rogado

Enxugou as lágrimas da natureza

Deixando na terra pegadas de amor.

Os passaritos, gaiteiros

Afiando as suas cornamusas, abanaram as asas

Para deixar entrar o calor

E as notas musicais soaram mais suaves.

As flores enrubesceram perante o rei

Que lhes sorriu e espalhou raios de paz

E elas dançaram com mais cor.

A vida descobriu que não estava sozinha

Deu o braço ao Homem

E, juntos, seguiram caminho.

O dia viveu momentos únicos

E agradeceu à lua a vida que ela pariu

na esperança de alcançar muitas outras,

O Homem não compreendeu,

Viveu, julgou ser um direito.

No dia seguinte, o dia continuou omnifulgente,

O Homem surdo, cego e intercadente

Conseguiu olhar para a lua 

E encontrou apenas almas penadas.

Como seria a sua, a do Homem?

Naria Radatos

in Letras ao vento

Imagem da minha autoria

vendredi 19 février 2021

Ontem, hoje e amanhã

Despida dos sonhos 
Numa numa intempérie sem amanhã
Deixo minhas memórias acordar.
Com elas volto à  minha infância
E vejo-te numa azáfama sem fim, 
O tempo corria e tu também 
O tempo sorria e tu também.
Com uma elegância feminina e rara 
Transformavas a vida num oásis. 
Volto à minha adolescência 
E vejo-te naquela mesma azáfama 
O tempo corria e tu também 
O tempo sorria e tu também 
E com a mesma elegância tão tua 
Agora mais firme e distinta
Fazias da vida um jardim. 
Volto ao tempo da jovem mulher
E vejo teu pensar sempre ocupado 
O tempo sempre a correr e tu também 
O tempo sempre a sorrir e tu também
E com a mesma elegância, então volúvel, 
Desenhavas um mundo revestido de sonhos. 
Volto ao meu tempo de mulher já mãe 
E vejo o teu pensar ocupado mas agora distante
O tempo sempre a correr e o teu pensamento também
O tempo sempre a sorrir e tu a tentares sorrir também 
E com a elegância escondida na doença 
Espalhavas silêncios de dor abafada. 
Volto oito anos atrás 
E imagino-te naquela azáfama 
O tempo sempre a correr e tu a soprares 
O tempo sempre a sorrir e tu também 
E com a tua elegância, agora, celestial 
Vais olhando à distância pelos teus aqui na terra. 
Ontem, hoje e amanhã 
Continuarás a  ser o meu exemplo 
Continuarás a viver em mim, 
Correrei ao lado do tempo 
E com ele tentarei sorrir 
Como tu sempre fizeste, minha mãe. 

Parabéns pelos teus 95 anos. 

Que os anjos façam um festim e que possas dançar a Valsa da Esperança com o teu grande amor. 

mercredi 20 janvier 2021

Abrunhosa do Mato


Da aldeia que hoje também é minha 
Mas que de mim muito pouco tem
Vejo um mundo que parece enorme,
Um grão daquilo que o Universo contém. 
Autor: Ana Fernandes
autora: Ana Fernandes

É uma aldeia maior que muitas outras 
Mais pequena do que o nome sugere 
Sinto-me grande e tão pequena 
Nesta aldeia que tão bem me quer. 

Da cidade onde nasci fui para a aldeia 
Da aldeia onde vivi vim para a cidade 
Vivi em vários pontos do mundo 
E de tanto mudar tornei-me vagabundo. 

Gosto de ouvir falar todas as línguas 
Mas onde ouvir falar português 
Não me importa se é cidade ou aldeia
E ali que o meu pequeno ser romanceia 

Se na cidade sou eu que me encontro 
Na aldeia perco até o nome
Sou nora de um nativo, esposa do seu filho 
Pouco importa, serve de trocadilho. 

Naria Radatos
in Letras ao Vento

mercredi 30 décembre 2020

Le temps passe...

 

Le temps passe
Les souvenirs se lassent
Le monde m'échappe
Les hommes brûlent des étapes. 
La vie, oh la vie! 
Elle ne fait que passer! 
La révolte se réveille 
Trop silencieuse 
Les mots se heurtent 
L'homme insensé 
Abandonne par terre, 
Rouée de coups bas, 
Comme du bétail 
La femme qui l'aime. 
La solitude enveloppée de silences 
S'arrache les mots 
Que le vent balaye 
Et la pluie débarbouille. 
Les cris incessants 
Qui résonnent dans le vide 
Suffoqués par la peur 
Sont interdits par la douleur.
La gorge se crispe 
La bouche bave 
Le corps se lève 
Devant son enfant qui pleure. 
Un dernier effort 
Elle serre son petit dans les bras 
Tandis que le barbare 
S'avachi par terre comme un vautour 
Après avoir fini avec sa proie ...
Un dernier souffle de courage 
Une femme qui court 
Engloutit par la nuit. 
La peur au ventre 
Elle court, elle pleure. 
La lune étant le seul témoin 
D'une décision enfin prise, 
Adoucit son chemin 
Elle sait que cette histoire 
Ne se répétera pas le lendemain ...
Le temps passe 
Les souvenirs se lassent 
Le monde m'échappe 
Les hommes brûlent des étapes. 
La vie, oh la vie! 
Elle ne fait que passer!

 Naria Radatos

mardi 29 décembre 2020

Natal sem madeiro

Não há madeiro a arder 
Nem crianças na rua a correr 
Embora a noite
Pareça esperar 
O Natal que não vai chegar. 
Em cada casa
Pela janela, a luz deixa adivinhar 
Que a vida, por ali, 
Teima em continuar. 
Os presépios ficaram em caixas 
Resguardados, adormecidos; 
As vozes dos coros emudeceram 
No silêncio do medo. 
A vida não amanhece com sorrisos 
A neve não chegou a cair
Além do dia pálido em frémito 
Nas ruas, vivem segredos sem voz 
Ideias entabuladas sem sono 
Orações repetidas sem conto.
O Natal ficou em casa
No refúgio das palavras,
Na cozinha, na sala, no quarto, 
Natal foi apenas um dia,
Um dia de esperança, 
Um dia de espera,
Um dia a mais ou a menos,
Um dia.

 Naria Radatos

mardi 8 décembre 2020

Um presente de Natal

Um presente onde estão registados o calor e os valores desta quadra. Apesar da atualidade triste que vivemos, o Natal continua  a ser Natal e a distância é, hoje mas do que nunca uma forma de amar.